Eu refilo com a chuva. Irrito-me com a mudança da hora. Desespero com a luz natural que acaba num abrir e fechar de olhos. Adio a mudança do guarda-roupa porque não gosto da roupa da época. Mas reconheço que o outono tem o seu charme.
O cenário que nos é dado pelas árvores vestidas de múltiplos castanhos e dourados é mágico.
E os ingredientes da época são deliciosos, fotogénicos, e reconfortantes: as castanhas, as abóboras, os diospiros, as romãs, a maçã...
Todos os anos, um primo oferece-me uma caixa enorme de maçãs vindas de Carrazeda de Ansiães. E são tão boas, firme e doces. Para além de comê-las ao natural - seria um pecado não fazê-lo - algumas são transformadas em doces e sobremesas. Como este 'apple bread' ou pão de maçã [na verdade é um bolo!]. Uma receita que grita outono por todos os lados e me faz reconciliar com esta altura do ano.
PÃO DE MAÇÃ
[rende bastante, a quantidade de bolos depende do tamanho da forma; no meu caso, consegui fazer 4 bolos relativamente pequenos]
4 maçãs grandes
1 chávena rasa de açúcar amarelo
2 ovos grandes
1/2 chávena de azeite
3 chávenas rasas de farinha sem fermento
1 chávena de frutos secos [nozes fica muito bem]
1 chávena de uvas passas ou sultanas
1 colher de sopa de fermento em pó
1 colher de chá de bicarbonato de sódio
1 colher de chá de canela em pó
1/2 colher de chá de noz moscada
1 pitada de sal
Chávena = 250 ml capacidade
Pré-aqueça o forno nos 180º.
Unte 2 formas de bolo inglês médias ou 4 pequenas.
Descasque as maçãs e rale-as grosseiramente num ralador (uso este ralador)
Junte o açúcar, envolva e reserve uns 10 ou 15 minutos até o açúcar dissolver e ter ganho líquido.
Junte os ovos, o azeite, os frutos secos e as sultanas ou as uvas passas (se usar passas, pique-as grosseiramente)
Adicione a farinha, o fermento, o bicarbonato, a canela, o sal e a noz moscada, envolvendo sem bater.
Verta para as formas e leve a cozer cerca de 45 minutos - irá demorar menos se as formas forem pequenas ou mais alguns minutos se forem maiores. Faça o teste do palito para conferir.
Se perguntar à minha mãe se conhece ou já ouviu falar em ruibarbo, a resposta vai ser um não convicto, acompanhado daquele franzir de testa involuntário de quem reage a algo que lhe soa estranho. Julgo que, de uma forma geral, será assim com todas as mães, pais e avós da geração dos meus. Ou pelo menos aqui no norte, onde não se conhece qualquer tradição no cultivo deste legume, que por ser bastante ácido é mais usado em sobremesas do que em salgados.
Sim, o ruibarbo é um legume, originário da Ásia, muito utilizado para fins medicinais, destacando-se a sua riqueza vitamínica. Uma outra utilização comum é em chá, indicado para auxiliar a digestão.
Eu própria só há uns anos é que descobri o ruibarbo, ao ver receitas em livros e revistas estrangeiras que o incluíam. Por isso, não imaginam como fiquei feliz assim que o pude cozinhar pela primeira vez, quando a querida Naida Folgado*, do blog Frango do Campo, me ofereceu uns caules, da sua horta, e com os quais fiz este bolo (caso cliquem, peço desculpas pelo aspeto do post, é muito antigo e não consigo editá-lo).
Das mesmas mãos generosas, chegou-me nova remessa de ruibarbo no fim de semana que passou. Desta vez, experimentei fazer uma galette, o meu tipo de tarte favorito. E ficou tão boa! Combinado com a dose certa de açúcar, o ruibarbo oferece-nos um delicioso travo agridoce e a sua textura macia, após a cozedura, contrasta muito bem com o crocante da massa (a massa que usei aqui é uma receita que faço algumas vezes, com uma ou outra alteração; desta vez ficou ainda mais estaladiça, porque lhe juntei um pouco de farinha de polenta bergamasca.
Sei que não é fácil encontrar ruibarbo (ou então é muito caro), mas se tiverem a oportunidade de poder cozinhá-lo e prová-lo, aproveitem-na! Ah, e não se esqueçam de que as folhas têm de ser descartadas: com elevados índices de ácido oxálico, as folhas são tóxicas e podem mesmo matar se consumidas em grandes quantidades.
40 g de farinha de milho para polenta (não instantânea) ou sêmola de milho
50 g de manteiga fria partida em pedaços
1 colher de chá de açúcar amarelo + 1 pouco para polvilhar
1 ovo pequeno
Ovo batido para pincelar
Para o recheio:
450 g de caules de ruibarbo, limpos e partidos em cubos
150 g de maçã descascada e partida em cubos
3-4 colheres de sopa de açúcar amarelo
2 colheres de sopa de farinha sem fermento
Sumo de 1 laranja
Opcional: açúcar em pó para polvilhar antes de servir
Comece por fazer a massa: coloque todos os ingredientes numa taça grande e amasse com as pontas dos dedos até obter uma massa moldável (se achar que está muito dura ou pouco ligada pode juntar umas gotas de água fria). Forme uma bola achatada, envolva em película aderente e leve a frigorífico durante cerca de 30 minutos.
Numa taça, junte o ruibarbo, a maçã, o açúcar, e o sumo de laranja. Envolva bem e deixe "marinar" enquanto a massa está no frigorífico.
Entretanto ligue o forno nos 170º.
Estenda e estique a massa numa superfície enfarinhada dando-lhe uma forma arredondada.
Escorra e descarte o líquido que se tiver formado na taça do ruibarbo, junte 2 colheres de sopa rasas de farinha na taça e envolva bem o ruibarbo e a maçã.
Verta a mistura de ruibarbo e maçã no centro da massa, espalhando-a para os lados mas mantendo livre a toda a volta uma borda com cerca de 3 cm. Dobre essa borda para cima, para fechar a galette, fazendo umas "pregas" a toda a volta, para a massa assentar e colar melhor. Pincele o rebordo com ovo batido e polvilhe com açúcar amarelo. Leve ao forno entre 1h a 1h e 10 minutos ou até a massa estar bem firme e bem dourada.
Esta tarte fez muito sucesso quando partilhei as fotos no Instagram, por isso, apesar de ter demorado um pouco, aqui está a receita. Foi uma experiência de impulso. Tinha muitas maçãs cá em casa, queria fazer algo bonito mas reconfortante, e lembrei-me de ir repescar uma receita de massa de galette que já andava aqui no blogue. Já tinha feito galettes com várias frutas mas nunca com maçã.
Na massa da que trago hoje, em vez de juntar à farinha "normal" (farinha de trigo sem fermento) farinha de amêndoa, como fiz na galette de morangos balsâmicos, resolvi juntar um pouco de farinha de trigo integral. Foi uma alteração pequena e ficou igualmente deliciosa.
E isso fez-me pensar que faço isto muitas vezes: partir de uma receita já testada e fazer-lhe ligeiras alterações. Digamos que é uma estratégia de minimização de riscos: uma maneira de variar, sem pôr em causa o resultado final. Porque se há dias em que me apetece ser mais ousada e experimentar algo realmente novo, há outros em que jogar pelo seguro me parece a decisão mais acertada (ainda que com maçãs, seja difícil alguma receita correr mal).
Resolução para 2019 (já podemos começar a enumerá-las, certo?): desafiar-me em termos culinários e experimentar novas receitas e pratos clássicos que até agora nunca me deu para fazer, tipo Bouef Bourguignon. Por acaso lembrei-me agora que cozinhei ossobuco há pouco tempo, pela primeira vez, mas não fotografei porque foi ao jantar. Também estão na lista: ceviche, dumplings, bife wellington, cannolis, Paris-Brest... e podia continuar ;)
E por aí? Gostam de inovar e pegar sempre em receitas diferentes, ou são fãs daquelas que já fazem de olhos fechados e nunca falham?
Bom fim de semana!
GALETTE DE MAÇÃ
Para a massa:
120 g de farinha s/ fermento
30 g de farinha integral
50 g de manteiga fria partida em pedaços
1 colher de chá de açúcar amarelo
1 ovo pequeno
Para o recheio:
5 maçãs ( mais uma, menos uma, dependendo do tamanho)
Sumo de 1/2 limão
4 colheres de sopa de açúcar amarelo
1 colher de sopa bem cheia de farinha s/ fermento
Uma boa pitada de canela
Uma pitada de noz moscada ou cardamomo (opcional)
1 colher de sopa de manteiga
1 colher de sopa de flocos de aveia grossos
Leite para pincelar a massa
Doce de pêssego ou geleia (opcional)
Comece por fazer a massa: coloque todos os ingredientes numa taça grande e amasse com as pontas dos dedos até obter uma massa moldável. Forme uma bola achatada, envolva em película aderente e leve a frigorífico durante cerca de 30 minutos.
Entretanto lave, descasque e fatie finamente as maçãs. Vá colocando as fatias numa taça, regando com o sumo de limão. Junte o açúcar, as especiarias, a aveia e a farinha (a farinha vai ajudar a engrossar os sucos das maçãs, conferindo cremosidade à tarte), envolva bem.
Ligue o forno nos 170º.
Retire a massa do frio e estique sobre uma superfície enfarinhada, dando-lhe uma forma arredondada. Espalhe as fatias de maçã, deixando um rebordo livre de massa a toda a volta, de cerca de 2,5 cm. Vire o rebordo de massa de forma a selar a galette, pressionando um pouco. Espalhe pedacinhos de manteiga por toda a tarte. Pincele o rebordo da massa com leite.
Leve a cozer durante cerca de 45/50 minutos ou até a massa estar bem dourada e firme ao toque. Antes de servir, pode pincelar com geleia ou doce de pêssego, para ficar mais brilhante.
É boa de qualquer maneira: morna ou fria, sozinha ou com gelado de baunilha, ao lanche ou ao pequeno-almoço!
Veio mais tarde do que se esperava, mas chegou. Começou algo tímido, mas este fim de semana mostrou a sua raça. Falo do outono, essa estação que faz a natureza vestir-se de mil tons de castanho, laranja e dourado.
Ainda que goste muito do verão, pela atmosfera descontraída e leve que traz, as minhas estações favoritas são as de transição, a primavera e o outono. Se por um lado costumam ser mais meigas no que à meteorologia diz respeito, por outro reservam para si as cores mais bonitas do ano, seja sob a forma de flores viçosas ou de folhas à merçê do vento.
E depois temos os frutos e legumes da época, aguardados com mais expectativa e emoção na primavera e no outono, por romperem com a estação que se despede.
Como acontece quase sempre por esta altura, também este ano me chegou cá a casa uma caixa de maçãs vindas de Trás-os-Montes. E por muito boas e doces que sejam para comer ao natural, a verdade é que o forno chama por mim e diz-me que o melhor é gastar algumas em bolos e sobremesas, não vá o diabo tecê-las (ler "apodrecê-las" - o que seria tão lamentável quanto altamente improvável).
Assim, com o forno ligado e um cheirinho bom a invadir a casa é mais fácil esquecer que o outono tem um lado b (e que o mundo podia ser um lugar bem mais bonito). Quando chove, faz frio ou o dia está da cor do chumbo, agarro-me ao aconchego das receitas de forno, seja um bolo, uma tarte ou um assado suculento.
E vocês? Qual a vossa receita favorita para quando bate aquele desconfortozinho dos dias cinzentos? Aposto que este bolo de maçã com molho de caramelo salgado podia ir para a vossa lista ;)
BOLO DE MAÇÃ COM MOLHO DE CARAMELO SALGADO
Chávena = 250 ml de capacidade
2 maçãs grandes raladas em cru
3/4 de chávena de açúcar amarelo
1 chávena mal cheia de azeite extravirgem
4 ovos (de preferência caseiros ou biológicos - o bolo fica mais húmido)
1 colher de café de essência de baunilha
2 chávenas rasas de farinha sem fermento
2 colheres de chá de fermento em pó
1,5 colheres de chá de bicarbonato de sódio
1 boa pitada de canela
Pré-aqueça o forno nos 180º.
Unte muito bem/polvilhe com farinha uma forma de "bundt" (forma redonda com chaminé).
Numa taça, junte os ovos, o azeite, o açúcar amarelo, a maçã ralada e a baunilha.
Noutra taça, junte a farinha, o fermento, o bicarbonato e a canela.
Vá juntando, aos poucos, os secos à mistura de líquidos.
Verta na forma e leve a cozer durante cerca de 40 minutos ou até um palito sair seco.
Retire do forno e desenforme com cuidado (eu passo uma faca de manteiga pelas laterais da forma e pela chaminé, de forma a descolar o bolo e a garantir que sai direitinho. Leve a arrefecer sobre uma rede forrada com papel vegetal ou sobre o prato de servir. Deixe arrefecer.
Leve os caramelos ao lume num tachinho de fundo espesso. Junte cerca de uma colher de sopa de água e vá mexendo com o batedor de varas, até os caramelos estarem derretidos. Se achar que está muito espesso, junte mais um pouco de água – a ideia é obter um molho de caramelo nem muito grosso, nem muito fluído. Tempere com o sal e está pronto a usar.
Versão normal:
3 colheres de sopa de açúcar (branco, amarelo ou de coco)
3 colheres de sopa de água
3 colheres de sopa de natas
1 pitada de sal ou flor de sal
Leve o açúcar e a água ao lume num tacho de fundo espesso. Tape, para manter a humidade e assim o açúcar não cristalizar. Passado cerca de 10 minutos, levante a tampa e vá vigiando a cor do caramelo, tapando e destapando, sem nunca cair na tenção de mexer. Desligue assim que tiver adquirido um tom dourado âmbar e sentir o cheiro bom do caramelo. Lembre-se que se deixar demasiado tempo ao lume e ficar demasiado escuro, vai ficar com sabor amargo. Junte as natas com cuidado (vai borbulhar bastante) e mexa bem com um batedor de varas. Junte o sal, volte a mexer, e está pronto a usar.
Acrescentado em 20/11/2018: para este bolo, aconselho a dobrar qualquer uma das receitas de caramelo.
Notas:
- Qualquer um dos caramelos fica mais espesso com o passar do tempo. Se não for usá-lo de imediato, talvez necessite de o aquecer na hora e juntar mais um pouco de água ou de natas;
- Outra técnica para que o açúcar não cristalize quando está a caramelizar é manter ao pé do fogão uma taça com água e um pincel e ir pincelando com água as laterais internas do tacho, junto ao açúcar.
Hoje choveu por aqui. Ontem fez bastante vento e já não consegui sair à rua sem casaco, ainda que continue de manga curta por baixo. Aos poucos, a meteorologia de outono vai ficando conforme os nossos livros da primária a pintavam, ainda que por períodos mais curtos ou intermitentes, com algumas situações atípicas pelo meio.
Eu, que em tempos gostei da ideia de ter uma família maior, confesso que às vezes fico aterrorizada em pensar no que a geração mais nova vai ter de enfrentar em termos de mudanças climáticas, e concluo que ter dois filhos a ter de lidar com isso é mais do que suficiente. E obviamente que penso que faço pouco para combater o problema.
Usar guardanapos de pano, levar um saco de casa para as compras (às vezes esqueço-me) ou evitar colocar os legumes e as frutas em sacos plásticos no supermercado (abacaxi, melão e curgetes, por exemplo, já não coloco em sacos, e por isso evito ir a hipermercados, para não ter de pesar as peças antes e colar-lhes uma etiqueta), não é muito para o estado em que as coisas estão e espero conseguir começar a contribuir com mais, ou melhor dizendo, com menos.
Mas falemos dos sabores do outono perfeito. Do outono que chega em tons castanhos e dourados e nos deixa a antecipar tardes no sofá, com o forno ligado. O meu outono perfeito sabe a castanhas assadas, a tangerinas (gosto das agrestes, ácidas), a diospiros com canela, abóboras gratinadas e, claro, a tartes de maçã. Ou a várias coisas com maçã, desde crumbles a gelado de maçã assada, passando por bolos, tortas e até entradas originais. Mas há qualquer coisa de mágico nas tartes de maçã, não concordam? Fazem parte do meu imaginário de conforto, de comida caseira, de felicidade sonhada ao ler os livros de quadradinhos da Disney - quem se lembra das tartes da Vovó Donalda?
Esta versão que hoje trago é mais saudável que outras versões aqui do blog. Por quê? Porque leva menos massa e a massa é feita de farinha de aveia, farinha de espelta integral e azeite. No recheio não resisti a usar um pouco de manteiga, o que lhe dá aquele sabor irresistível. E leva um pouco de gengibre, para ajudar a combater e prevenir as constipações típicas desta época. Numa palavra: deliciosa.
E o vosso outono perfeito, a que sabe?
TARTE DE MAÇÃ ESCONDIDA
6/8 fatias
Para a massa:
80 g de farinha de aveia
80 g de farinha de espelta integral
35 g de azeite extravirgem
70 g de água fria
1 pitada de sal
Para o recheio:
5 maçãs descascadas e partidas em cubinhos
1 colher de açúcar mascavado escuro
3 colheres de sopa de açúcar amarelo
Um fio de limão para regar as maçãs descascadas
Canela em pó qb
Um pedacinho de gengibre fresco ralado
50 g de manteiga
Ovo batido para pincelar
Açúcar em pó para finalizar (opcional)
Começar por fazer a massa: juntar todos os ingredientes numa taça e amassar formando uma bola. Achatar em forma de disco, envolver em película e levar ao frigorífico durante cerca de 1 hora.
Entretanto preparar o recheio: adicionar aos cubos de maçã, para além do fio de limão, o açúcar, a canela e o gengibre.
Levar ao lume com a manteiga e deixar cozinhar até a maçã amolecer, cerca de 25 minutos (vai depender da maçã que utilizar, os cubos devem ficar soft, mas não desfeitos).
Pré-aquecer o forno nos 170º.
Colocar o recheio num prato de ir ao forno (o meu tem 20 cm de diâmetro na parte mais larga).
Numa superfície enfarinhada, esticar a massa até ficar relativamente fina, cerca de dois milímetros de espessura.
Cobrir o prato com a massa (e com as sobras fazer decorações, se o desejar).
Pincelar com ovo e levar a cozer cerca de uma hora ou até a massa ficar firme ao toque.
É boa morna ou fria e, se forem muito gulosos, já sabem que uma bola de gelado faz-lhe uma ótima companhia.