Aqui em casa come-se de tudo. Felizmente, não há alergias nem intolerâncias alimentares. E se muitas vezes digo que podia ser vegetariana, a verdade é que gosto demasiado da cozinha tradicional portuguesa – e do Anthony Bourdain também 😂 - para abandonar a proteína animal.
Assim, e ainda que o porco não seja o tipo de carne mais habitual cá em casa, de vez em quando rendo-me a uns suculentos rojões, a umas costelinhas ou às minhas almôndegas de salsicha fresca.
Para mim, tão ou mais importante do que o tipo de carne, é a origem desta e, por isso, tento comprar apenas carne portuguesa, de produção sustentável e certificada. Como é o caso da carne de porco com o selo “porco.pt”, uma iniciativa da Federação Portuguesa de Associações de Suinicultores (FPAS), para distinguir a melhor carne de porco nacional.
Para que os produtores possam exibir este selo de qualidade, devem cumprir várias regras, nomeadamente a criação dos animais em condições de bem-estar e alimentados à base de cereais, entre outras especificações homologadas pelo Ministério da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural.
Desafiada pela FPAS a cozinhar um prato cujo ingrediente principal fosse carne com selo “porco.pt”, trago-vos umas bochechas de porco. Apesar de não serem das partes do porco mais óbvias, as bochechas são extremamente saborosas e têm uma textura incrível, depois de cozinhadas lentamente. Sim, há dois requisitos essenciais para que fiquem perfeitas: temperá-las com antecedência e cozinhá-las - ao lume ou no forno - a temperatura baixa ou moderada, no mínimo durante duas horas. O resultado final é delicioso, compensando cada minuto de espera e paciência.
Mas antes de passarmos à receita, uma curiosidade: sabiam que, de acordo com um estudo da FPAS, 52% dos portugueses desconhece a origem da carne que consome? Agora, em relação ao porco, não há que enganar: procurem o selo “porco.pt” no vosso talho ou supermercado, para garantir que compram uma carne de qualidade superior, saborosa e 100% “nossa”.
BOCHECHAS DE PORCO COM CENOURA E VINHO DO PORTO
Para 4/ 5 pessoas
1 kg de bochechas de porco
2 cebolas
2 cenouras
4 dentes de alho
2 folhas de louro
150 ml de vinho do Porto
100 ml de vinho branco
Pimentão doce fumado em pó qb
Pimenta preta qb
Sal qb
Azeite qb
De véspera, tempere as bochechas com sal, pimenta preta, pimentão doce, louro, vinho branco e vinho do Porto e um bom fio de azeite. Junte ainda as cebolas partidas em meias-luas, o alho laminado e as rodelas de cenoura. Envolva bem, tape com película e guarde no frigorífico até ao dia seguinte.
Ligue o forno nos 150º. Aqueça um fio de azeite num tacho com tampa que possa ir ao forno. Retire as bochechas da marinada e aloure-as no azeite, até corarem e ficarem "seladas". Verta sobre as bochechas a marinada, envolva bem, tape e leve ao forno entre duas horas a duas horas e meia. De vez em quando, destape e veja a quantidade de líquido, se achar que está a ficar seco, junte um pouco de água. No final, se achar que o molho está demasiado líquido, leve o tacho ao lume, retire um pouco de molho para uma taça, acrescente a esta uma colher de café de amido de milho, desfaça bem e junte de novo ao tacho, mexendo até ficar mais espesso.
Sirva com arroz - eu servi com arroz de curcuma e passas - e uma salada ou legumes cozidos.
O fim de semana que passou foi um típico fim de semana de outono. Frio, chuva e, inevitavelmente, aquela humidade típica do Porto que por mais casacos que uma pessoa vista, entranha-se por todo o lado. Liguei o aquecimento em casa, pela primeira vez, e aproveitei a tarde preguiçosa de domingo para dar uso às romãs que tinha apanhado na quinta dos meus sogros no outro fim de semana.
Estas romãs são muito ácidas. Eu não me importo nada com isso, dão um sumo delicioso, para os meus gostos, mas a verdade é que sou a única cá em casa capaz de as comer. Decidi então cozinhar qualquer coisa com elas e pedi sugestões no Instagram.
Fazer vinagre, fazer doce, fazer chutney, servir com açúcar e vinho de Porto à sobremesa: foram várias as dicas recebidas, mas acabei por escolher o doce, seguindo o conselho de juntar maçãs, por causa da pectina. O resultado? Um doce perfeito, que superou completamente as minhas expectativas: apesar de fazer doces e compotas de vez em quando, não sou nenhuma especialista e penso sempre que não vai ficar tão bom como eu gostaria.
Claro que houve vários fatores que ajudaram a que o doce tenha saído no ponto, desde logo ter sido feito numa panela de ferro fundido. Julgo que foi a primeira vez que usei uma Le Creuset para fazer doce e fiquei rendida. Costumo fazer na Bimby, que é uma ótima solução quando não queremos ou não podemos estar sempre a vigiar.
Depois, o facto de ter sido feito com tempo. Fazer com tempo significa fazer com amor. Nos últimos tempos, não tenho tido muitas oportunidades para cozinhar com esta entrega e soube-me bem ter a panela destapada ao lume e, sem pressa, ir vigiando, ir mexendo, ir sentindo o aroma que se espalhava na cozinha.
Depois, foi só casar o doce com um pouco de requeijão. E o meu humor reconciliou-se de imediato com o tempo lá fora. Como uma amiga minha diz, na sua hashtag preferida, #nocéuhádisto.
DOCE DE ROMÃ E MAÇÃ
350 ml de sumo de romã*
580 g de maçãs, pesadas já descascadas e sem caroço
480 g de açúcar
1 tira de casca de limão
1 pau de canela
Cascas e caroços de duas ou três maçãs
Embrulhe as cascas e os caroços de maçã num pedaço de gaze ou mousseline, atando bem e formando uma espécie de saquinho.
Junte todos os outros ingredientes numa panela de fundo espesso e leve ao lume médio.
Mexa bem e junte o saquinho com as cascas e os caroços de maçã - pode, por exemplo, atá-lo numa colher de pau e pousar a colher na panela, de forma a que o saco fique mergulhado no doce. É nas cascas e nos caroços da maçã que há mais pectina e isto vai ajudar a que o doce espesse e fique com melhor textura. Reduza para o mínimo e deixe cozinhar, mexendo de vez em quando. Deve demorar entre 1h30 a 2 horas a ficar no ponto.
Ao fim deste tempo, achei que estava pronto mas que ainda havia ainda pedaços notórios de maçã. Como gosto de doces mais uniformes, descartei a casca de limão e o pau de canela e ralei grosseiramente com a varinha mágica. Deixei ferver novamente e passei para frascos limpos.
*Retirei os bagos às romãs, triturei-os na Bimby e coei o sumo; para 350 ml de sumo, deve precisar de duas a três romãs.
Finalmente consegui estrear a minha tagine (ou tajine) Le Creuset. E finalmente comecei a dar uso aos limões em conserva (os famosos preserved lemonsque tanto vemos no Pinterest e nos blogs estrangeiros), preparados por mim há cerca de dois meses, mantidos quietos no frigorífico, após os quinze dias iniciais de hibernação num armário.
Para a receita dos limões em conserva, basta fazerem uma pesquisa no google e vão ter muito por onde escolher, com ligeiras variações entre cada receita. Eu acabei por seguir esta, mas depois lembrei-me que no Marmita também há uma receita catita, ora espreitem aqui.
Para o frango, não segui nenhuma receita especial, apenas quis que tivesse um toque marroquino, que seria reforçado pelos limões em conserva. Como não cozinhei em casa, e não quis levar muita coisa comigo (a tagine já é bem pesada!), no que toca a especiarias usei apenas a mistura Marrocos da Margão, que é bem rica e perfumada, à base de coentros e cominhos.
Adorei o resultado final e ainda que o frango tenha ficado muito claro para o meu gosto (da próxima vez tenho de deixar cozinhar mais antes de juntar o caldo e tapar), o sabor do limão em conserva foi surpreendente. É subtil e vibrante ao mesmo tempo, muito diferente do sabor do limão fresco.
Aconselho mesmo a fazerem um frasco de limões em conserva, é muito fácil. O que custa mais é ter de esperar para poder usá-los! Não se esqueçam de que no momento de os utilizar, estes devem ser passados por água, para retirar o sal, e a sua polpa deve ser descartada, usando-se apenas a casca.
Quanto à panela, é realmente especial. A sua tampa cónica faz com que o vapor, ao subir, condense ao contactar com as paredes e volte para o cozinhado em estado líquido, permitindo um estufado lento e cheio de sabor.
Daqui a alguns dias volto ao campo, de férias, e a tagine já vai lá estar, preparada para novas viagens.
TAGINE DE FRANGO COM AZEITONAS E LIMÃO EM CONSERVA Para 4 pessoas
8 porções de frango (usei pernas e coxas, sem pele) 1 cebola 2 dentes de alho 1 limão 2 colheres de chá da mistura 'Marrocos' da Margão 1 chávena de azeitonas pretas descaroçadas 1 raminho de coentros frescos 1/2 limão em conserva (os meus preserved lemons eram grandes, daí ter usado apenas 1/2) Azeite qb Sal qb Cerca de 300 ml de caldo de legumes* Com algumas horas de antecedência ou até de um dia para o outro, tempere o frango: coloque-o numa taça e regue com sumo de limão e azeite, tempere com sal e a mistura de especiarias. Junte ainda o alho picado. Envolva bem o frango nesta mistura, tape a taça com película aderente e leve ao frigorífico. Quando for cozinhar, regue o fundo da tagine com um fio de azeite e junte a cebola partida em meias-luas. Quando começar a querer alourar, junte o frango, reservando a marinada. Quando o frango tiver ganho cor, junte as azeitonas e 1/4 de limão em conserva partido em tiras finas (depois de passado por água e de lhe ter sido retirada a polpa). Adicione o caldo e o que sobrou da marinada, junte metade do ramo de coentros e tape, deixando cozinhar no mínimo cerca de 1h30. Findo este tempo levante a tampa e se ainda tiver muito líquido, deixe cozinhar destapado cerca de 15 minutos ou até se ter evaporado a quantidade de líquido pretendida. Prove e acrescente sal, se necessário. Antes de servir, salpique com mais coentros picados e tiras de limão em conserva. Acompanhe com cuscuz simples.
*Fiz um caldo rápido e básico, com o que tinha na altura: uma cenoura, uma cebola, dois dentes de alho esmagados, algumas folhas de aipo e algumas hastes de salsa, uma folha de louro e sal. Levei tudo a cozer numa panela pequena com água, cerca de uma hora, até estar tudo bem cozido e o líquido ter reduzido bastante. Antes de usar, coei a quantidade necessária.
Na lista de desejos de hoje, há um denominador comum: objectos que fazem da cozinha um ponto de partida e chegada de muitas e estimulantes aventuras. Viajar no tempo e no espaço, à boleia de cores, sabores e memórias. Gosto especialmente do bule vermelho, da placa simpática escrita na língua mais bonita do mundo (o Camões que me perdoe), da cadeira - que ia ficar maravilhosa na cozinha vintage dos meus sonhos, e da clássica panela Le Creuset - um desejo com muitos anos, que em breve será satisfeito! Fiquei ainda muito curiosa com o livro de receitas inspirado na famosa série Downton Abbey. Ah, e a tábua de sushi não é para mim, é para o provador-mor (mas era menina para a usar com outras coisas, numa mesa de festa, por exemplo).
E assim, com o tema das viagens, assinalo a minha escapadela a Londres para fazer dois workshops de cozinha no Recipease: um delicioso presente que recebi dos meus amigos, nos meus 40 anos.
Quando este post for publicado, já devo estar a regressar. Depois conto tudo!